Com a pandemia, a humanidade foi mergulhada num mar de provações sem poder escolher e sem saber da intensidade da tempestade em alto mar. As primeiras notícias chegavam até nós pelos telejornais e mídias sociais em dezembro de 2020, divulgando mais sobre a velocidade com que os chineses edificavam os grandes hospitais de campanha em Wuhan em tempo recorde.
Aos poucos, esta realidade se tornou tão próxima de todos ao ponto de fazer, literalmente, o mundo parar, mudar o estilo de vida e o ritmo do viver. E passamos a conviver, diuturnamente, contando os mortos e aplaudindo os que venceram a morte.
Nem o navio e nem os tripulantes estavam preparados para o enfrentamento desta tempestade em meio à travessia: foi preciso andar, mesmo com as consequências das perdas, do sofrimento e da morte. E foi necessário encontrar modos de sobreviver, em plena viagem, buscando dentro de si as ferramentas para enfrentá-la.
A primeira delas foi convencer-se da nua e crua realidade, sem negacionismos ou fugas, fazendo uso das forças protetivas e defensivas, bem como a adesão às orientações das medidas sanitárias. Logo depois, vieram as primeiras perdas de vidas de familiares e amigos próximos, mortes de pessoas do convívio familiar e social e também de desconhecidos que se multiplicavam por todos os lados. E o luto coletivo instaurou-se como uma bandeira a meio mastro hasteada diuturnamente a um palmo de cada um.
Posto o sinal para todos, o anjo da morte, sem anúncio, passou a visitar-nos sem direito de escolhas e, quase sem, ao menos, nos deixar chorar os mortos e viver os ritos de passagem. E agora? O que fazer?
Com mais ou menos intensidade, voltamos ao nosso interior para buscar o remédio da resiliência e da coragem para continuar a viagem. Então, reaprendemos que a vida só tem um tempo e tivemos que elevar o nível das medidas para cuidá-la a todo o custo. E que, para falar do óbvio, nos convencemos de que a pandemia não é seletiva, que não poupa nenhum, a despeito do nível econômico e das seguranças previdenciárias. Tivemos que dizer a nós mesmos que havíamos adormecido sobre nós e nosso modus vivendi e, então, fomos acordados para um novo tempo e um novo mundo.
E começamos a ficar mais em casa e conviver mais em família. Aprendemos a falar, amar, chorar, cuidar e a viver mais. Despertamos mais solidários e humanos, retornamos à lucidez com mais razões para viver e morrer, percebendo nos pequenos gestos, antes imperceptíveis, a importância de um encontro e de um alento de esperança. Porque estamos vivos, ressurge a esperança. Voltamos ao nosso interior desnudados das forças que tínhamos, mas atingidos de uma nova consciência e de uma nova postura sobre a vida. Temos razões para continuar a viagem, pois o sol volta a brilhar mesmo que a tempestade insista, outra vez, voltar.
Texto: Enio José Rigo
Pároco da Catedral de Santa Maria